Apesar da frase célebre do título ('The Oscar goes to...') ter sido modificada (nesta 82ª edição, foi 'The winner is...'), o Oscar 2010, em linhas gerais, não foi lá muito surpreendente (como se isso fosse novidade!). Algumas premiações inesperadas até ocorreram e a Academia mostrou preferir o pequeno Guerra ao Terror ao megalomaníaco blockbuster Avatar. "Está dando um tiro no próprio pé", relatou o crítico Rubens Ewald Filho (na transmissão da TNT), justificando que o sucesso de Cameron fez renascer uma Hollywood um pouco apagada (o que é bem verdade, diga-se de passagem). Contudo, na minha opinião, os vencedores foram mais do que justos pois, mesmo que Avatar seja visualmente revolucionário, ainda, para mim, um belo roteiro é o mais importante de tudo. A seguir, alguns comentários.
Melhor filme: Guerra ao Terror - A Arte em primeiro lugar! Está dado o recado. O independente e 'barato' Guerra ao Terror desbanca seu concorrente (hoje) bilionário com méritos. O longa possui boas atuações, grande direção, belos cenários (e efeitos), além de um instigante roteiro que embasa o clima de tensão e abalo psicológico de uma guerra. Avatar é imenso: uma aventura legal e um show inesquecível, ao qual só faltou roteiro mesmo (não recebeu sequer a indicação na categoria - e seria bastante errado se eu dissesse que ele merecia) para ser o trabalho do ano. Porém, para alguns (e a mim), roteiro é primordial! E nem o sucesso nas bilheterias (perto dos 3 bilhões de dólares) ou o ressurgimento que ele causou na indústria cinematográfica fazem-no maior do que um espetáculo visual (magnífico, por sinal). É bom, não nego! Mas, como bem disse o colega Thales "ele não é um grande filme, apenas um filme grandioso". Up só estava lá para enfeite: para dizerem mesmo que não são preconceituosos com a animação (apesar de eu achá-lo, sim, um dos dez melhores do ano de 2009). Amor sem Escalas me pegou de jeito, virou um dos meus favoritos e ganhou a minha torcida ao lado de Bastardos Inglórios - que é uma verdadeira inspiração do Tarantino - e do próprio vencedor da categoria. Distrito 9, que possui o tipo de roteiro que eu gosto - aquela coisa de mesclar ficção com toques de conscientização ou mesmo apresentação social (ou histórica) -, também é muito bom, mas já era dúvida a sua própria indicação (não por mim, é claro!). Educação é o representante britânico, em mais uma tentativa de demonstrar que a Academia é 'boazinha'. Preciosa é um belo argumento não desenvolvido com todo potencial - falta mais emoção! Um Sonho Possível é uma história legalzinha (meio batida), que conta com uma ajudinha de Sandra Bullock para colocá-lo entre os melhores. Um Homem Sério (ainda não vi), dizem, é mais uma boa história dos Coen, que fazem o que querem com suas películas.
Melhor direção: Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror) - Primeira mulher a receber o Oscar da categoria, Kathryn Bigelow está impecável na condução deste retrato real dos soldados americanos no Iraque. Firme e convicta, ela guia com grande sabedoria, inserindo o espectador na sua projeção e sustentando um clima de tensão a todo o momento. Cameron tem direção segura no seu megassucesso. Lee Daniels mostrou boas qualidades, mas deixou a desejar na emoção do seu público. Jason Reitman muito bem, mas só. E, Tarantino, não foi dessa vez de novo!
Melhor ator: Jeff Bridges (Coração Louco) - O prêmio é de Jeff Bridges com justiça! Simplesmente, o papel da sua vida. Colin Firth está muito bem interpretando o homossexual sem estereótipos (graças a Deus!), em Direito de Amar (péssima tradução, por sinal). George Clooney pode até parecer mais do mesmo, mas ainda assim me convence com sua segurança em cena no belo Amor sem Escalas. Morgan Freeman é outro grande nome e está incorporado em Nelson Mandela, no bom (mas menor) Invictus. Jeremy Renner protagoniza firmemente o independente Guerra ao Terror, mas não acredito que ganhe tanto destaque na produção.
Melhor atriz: Sandra Bullock (Um Sonho Possível) - Como é possível, no mesmo ano, uma pessoa ganhar o Oscar e o Framboesa de Ouro (prêmio para os piores)? Sandra Bullock conseguiu a façanha e foi buscar os dois - emocionada na Academia e com muito bom humor no Framboesa. Ela surpreende pela performance bastante segura, desenvolvendo muito bem sua personagem. Mesmo com o páreo duro, é merecido, principalmente pelo ganho em uma projeção não tão positiva como Um Sonho Possível. Gabourey Sibile está preciosa (com o perdão do trocadilho) no papel da protagonista sofrida da apresentação de Lee Daniels - seu primeiro papel é elogiável! Meryl Streep (por Julie & Julia) é sempre Meryl Streep - grandiosa, segura, convicta - sua 16ª indicação. Provavelmente, o grande nome dentre todos os atores de Hollywood.
Melhor ator coadjuvante: Christoph Waltz (Bastardos Inglórios) - Incontestável como Heath Ledger no ano passado. Não que os adversários não sejam bons (Woody Harrelson está ótimo em O Mensageiro), o problema é que Waltz vai muito além com o seu magnífico Coronel Hans Landa; é um outro nível! Matt Damon não me parece tão exigido em Invictus; e Stanley Tucci convence na pele do antagonista de Um Olhar do Paraíso, ainda que não seja grandioso.
Melhor atriz coadjuvante: Mo'Nique (Preciosa) - Outro prêmio bastante esperado. Mo'Nique encarna a mãe cruel e detestável de Preciosa (com direto a inúmeros palavrões!), causando verdadeira repulsa nas pessoas. Meu segundo lugar ficaria com a adorável Anna Kendrick, de Amor sem Escalas. Penélope Cruz, por Nine? A moça está muito bem e tudo, sou um grande fã dela, mas não tinha chance nenhuma, para falar a verdade.
Melhor roteiro original: Mark Boal (Guerra ao Terror) - Embora não seja injusto, uma vez que Boal soube delinear bem toda a caminhada dos soldados no Iraque (grande roteiro, mesmo!), gostaria de ter visto Tarantino com a estatueta. Afinal, o tom inventivo e audacioso de Bastardos Inglórios é inspirador: reinventa a queda do III Reich e conta com uma dose de humor que alfineta o próprio americano. Infelizmente, a Academia parece não gostar de tanta criatividade.
Melhor roteiro adaptado: Geoffrey Fletcher (Preciosa) - Grande surpresa, Preciosa desbanca Amor Sem Escalas nessa categoria. Apesar de não ter lido nenhuma das obras, fico um pouco descontente, avaliando o roteiro em si dos dois filmes. O guião de Preciosa é muito bom, mas não tem a magia da mistura de temas tão complexos e bonitos como o longa de Jason Reitman. Distrito 9 também tem um roteiro maravilhoso!
Melhor animação: Up - Altas Aventuras - Indicado a melhor filme, era mais do que óbvio que sairia vencedor aqui. Embora eu ainda ache que a criatividade de Coraline lhe favoreça uns pontinhos a mais, não é insatisfatório ver mais este belo exemplar da Pixar como ganhador. Afinal, Up tem grandes méritos como a construção sólida dos personagens, o roteiro muito divertido e a trilha sonora belíssima (além da animação, evidente).
Melhor filme estrangeiro: O Segredo dos seus Olhos (Argentina) - Outra grande surpresa! Acho que boa parte do público brasileiro que pôde acompanhar (assim como eu) O Segredo dos seus Olhos e A Fita Branca esperava que o segundo ganhasse. Afinal, o longa alemão é uma pequena obra-prima, envolta em um tema profundo e desenvolvendo a revelação da sordidez humana, no contexto pré-Primeira Guerra. O trabalho argentino é elogiável também, apesar de menor: Campanella dirige muito bem, as atuações são firmes e o desfecho é um dos grandes méritos (e um dos melhores que eu já vi), pelo inesperado e sentimento antagônico que causa em sua plateia. Que o Brasil olhe para o lado e perceba que as produções nacionais não precisam ser somente sobre favela, tráfico, morro e criminalidade - honestamente, já está saturado. Afinal, depois de Cidade de Deus, fica difícil fazer alguma coisa tão grandiosa sobre qualquer desses assuntos (Tropa de Elite até chegou perto, mostrando um ponto de vista ainda não explorado)! Salve Geral, que grande piada!
Melhor maquiagem: Star Trek - Não vi os longas estrangeiros que concorriam na categoria (o italiano Il Divo e o britânico A Jovem Rainha Vitória). Assim, somente posso comentar que a maquiagem de Star Trek é muito boa, convence e remete aos personagens da famosa série de televisão.
Melhor figurino: A Jovem Rainha Vitória - Sério, esse eu não quero comentar! Não entendo nada aqui (comentei o básico no ano passado, chegando a ser ridículo!). Fico na limitação de 'melhor roupagem (ou vestimenta) e cenário'! Não assisti ao vencedor, somente a Nine, um dos concorrentes que, pela minha visão extremamente restrita, é bom.
Melhor montagem: Guerra ao Terror - Pelo geral (e lembrança), a obra de Bigelow é bem editada mesmo: na passagem de uma cena para outra, na escolha da melhor captação de imagens, enfim. Não entendo muito dessa coisa. Para mim, os outros (e em especial Distrito 9) são competentes aqui.
Melhores efeitos visuais: Avatar - Distrito 9 e Star Trek que me perdoem, mas não tinham a menor chance! Prêmio anunciado, a produção milionária de James Cameron é, visualmente, revolucionária, belíssima e competente - um retrato da perfeição para os dias de hoje. Sim, visualmente irretocável! Os outros dois tem efeitos muito legais, mas Avatar está em um patamar superior.
Melhor fotografia: Avatar - Bom prêmio, apesar de tudo indicar a fotografia iraquiana de Guerra ao Terror ou mesmo uma grata surpresa com o lindo A Fita Branca. Mas, se Avatar é, visualmente, perfeito, não há como negar que merece a estatueta.
Melhor direção de arte: Avatar - E lá vou falar sobre a perfeição visual do Avatar. Não, chega! Vocês já entenderam o recado, né?
Melhor som: Guerra ao Terror - Eu acho que aqui é a mixagem de sons que vale! Guerra ao Terror é grandioso nesse aspecto técnico, ao unir diversos elementos nas cenas. Também tenho a impressão que é difícil mixar sons em animações (Up, que não está aqui) e filmes de efeitos especiais como Avatar (ou mesmo o péssimo Transformers - A Vingança dos Derrotados). Bastardos Inglórios e Star Trek me parecem igualmente bons. Nossa, que confusão!
Melhor edição de som: Guerra ao Terror - Comentário da categoria passada. Todos me parecem sonoramente bem editados. Não vou ficar aqui enrolando vocês!
Melhor canção original: "The Weary Kind" (Coração Louco) - Apesar de ter gostado bastante das canções deste ano e me parecer bastante difícil uma escolha, a de Coração Louco - meio ao estilo Bob Dylan - me atraiu um pouquinho mais. As de A Princesa e o Sapo são muito legais e convivem bem com as imagens da animação da Disney. A Take It All (Nine) não é tão boa assim, apesar de Marion Cotilard. Loin de Paname (de Paris 36) é simpaticíssima!
Melhor trilha sonora original: Up - Altas Aventuras - Grande prêmio a uma trilha sonora linda, que conduz a aventura do velho Carl. James Horner é bom ao jogar um tom épico à trilha de Avatar. Hans Zimmer dá o acorde descontraído ao novo Sherlock Holmes. As de O Fantástico Sr. Raposo e Guerra ao Terror são boas, mas não tão 'penetráveis' quanto às outras concorrentes.
Quanto ao restante das categorias, não assisti à massiva maioria dos indicados e, portanto, não me sinto à vontade para falar delas. Mas aí vão os vencedores:
- Melhor documentário: The Cove
- Melhor documentário de curta-metragem: Music by Prudence
- Melhor curta-metragem: The New Tenants
- Melhor curta-metragem de animação: Logorama
O mais engraçado é que o Oscar deste ano me lembrou 2009. O pequeno notável - hoje, Guerra ao Terror; antes Quem quer ser um Milionário? - arrebata as principais estatuetas. E mesmo que Avatar seja revolucionário nos efeitos especiais, é possível lembrar de O Curioso Caso de Benjamin Button (melhor em roteiro!) cuja habilidade técnica era grande (ainda que não inovadora). E, mais uma vez, felicito à Academia pela acertada escolha a favor da maravilhosa Arte e do belo roteiro, ao invés de se curvar ao (bom, mas incompleto) arrasa-quarteirão, que peca na sua essência.
Lucas Rey
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